(escorpión
Las ideas se atropellan como olas diligentes. La arena escalda.
Tiempo infeliz, sostenido por palabras metódicas, ausentes.
La inquietud es un escorpión negro. La mujer retrocede.
escorpião
As ideias atropelam-se como ondas diligentes. A areia escalda.
Tempo infeliz, sustentado por palavras metódicas, ausentes.
A inquietude é um escorpião negro. A mulher recua.)
***
(pureza
El mar se alza dulce, acogedor. Observo mis pasos
bajo el resplandor de la luz. El primer impulso es correr, veloz.
El segundo dibuja un compulsivo deseo de huir exterior a
mí, el tercero silencia la mente, no resiste a la llama. Los muertos
entreabren un círculo de la memoria, los vivos se desean con
perversión o pureza. Quiero el amor de los puros.
La «pura voluptas» de Lucrecio.
pureza
O mar ergue-se doce e convidativo. Observo os meus passos
sob o resplendor da luz. O primeiro impulso é correr, veloz.
O segundo desenha uma compulsiva vontade de fugir exterior a
mim,o terceiro silencia a mente, não resiste à chama. Os mortos
entreabrem um círculo da memória, os vivos desejam-se com
perversão ou pureza. Quero o amor dos puros.
A «pura voluptas» de Lucrécio.
***
nieve
Despierto de madrugada, mi corazón es una planicie desierta,
corazón desgarrado desesperado hinchado cordero manso o
feroz de ojos vacíos. No te reclines dócilmente, van a robarte
todo, el ladrón vendrá de noche y te dirá
«¡No ames!»
No lo dejes, expúlsalo, te extirpará el hígado y serás lo que no
eres y eres ahora, no lo que fuimos y somos hoy, el misterio no
sucederá como no sucedió el milagro, el después evitará el
antes y ése será el fin, silencio de eterna nieve.
neve
Acordo de madrugada, o meu coração é uma planície deserta,
coração dilacerado desesperado inchado cordeiro manso ou
feroz de olhos furados. Não te deites docilmente, vão roubar-te
tudo, o ladrão virá de noite e dir-te-á
«Não ames!»
Não deixes, expulsa-o, extirpar-te-á o fígado e ficarás o que não
és e és agora, não o que fomos e somos hoje, o mistério não
acontecerá como o milagre não aconteceu, o depois evitará o
antes e esse será o fim, silêncio de eterna neve.
(De lápis mínimo, 2008)
*Ana Marques Gastão (Lisboa, 1962).
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